sábado, novembro 16, 2024
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OPINIÃO – Constituindo ou não família: é namoro ou união estável?

Por Carolina Leotte Bersch e Priscilla Pelegrini Repiso Trojan

O enquadramento do relacionamento amoroso sempre gerou preocupação e ansiedade, seja pela cobrança social em rotular a relação, seja pelas consequências jurídicas patrimoniais envolvidas. Neste contexto, e principalmente desde o início da pandemia, muitos casais optaram por “quarentenar” juntos e a unificação da moradia, temporária ou não, passou a gerar inúmeras dúvidas acerca das implicações deste importante passo da relação. Afinal, a simples coabitação promove o namoro a uma união estável?

Para responder esse questionamento é indispensável que analisemos os principais requisitos para configuração de união estável, que estão disciplinados no artigo 1.723 do Código Civil: 1) convivência pública, 2) contínua e 3) duradora, estabelecida com o 4) objetivo de constituição de família.

Saliente-se que, para configuração do instituto familiar, apenas a presença dos requisitos legais, faticamente, é suficiente, sendo dispensável que a declaração de vontade das partes seja levada a registro.

Outrossim, as uniões formalizadas em contratos de convivência, inclusive com eleição do regime patrimonial diverso do legal, garantem maior segurança às partes e podem evitar grande parte dos conflitos levados ao Judiciário após o término dessas relações e que demandam extensa dilação probatória e imensurável desgaste emocional.

Já a qualificação como namoro ou união estável — não formalizada —, no entanto, impõe uma análise pormenorizada de cada relacionamento, por ocasião das respectivas implicações.

Destaca-se que a legislação não estabelece um período mínimo para reconhecimento da união estável, constando no dispositivo legal exclusivamente o termo “duradoura”. Assim, os requisitos um a três acima citados podem acabar sendo confundidos com um namoro, isto é, ambos os relacionamentos podem ser publicizados nas redes sociais, estáveis (sem “idas e vindas”) e deterem tempo razoável de duração, inclusive porque independente da coabitação, sendo justamente o último item que exige maior atenção, por representar o elemento de maior dificuldade de comprovação.

Isso porque, no namoro [1], que não produz efeitos jurídicos, as partes podem até desejar a constituição de família, mas como um plano futuro, enquanto na união estável essa intenção é atual. Neste sentido ensina Conrado Paulino da Rosa:

“O propósito da constituição de família exterioriza-se exatamente na vida em comum, sob o mesmo teto ou não, aos olhos públicos e com afeição recíproca, como se casados fossem, em mútua colaboração econômica, parceria em negócios e conjunção de esforços” [2].

Como exemplo da materialização do affectio maritalis entre companheiros, vislumbra-se a dependência em clubes, imposto de renda e planos de saúde, ou inserção como beneficiário de seguro de vida [3], sendo flagrante o compartilhamento de vidas e esforços, com integral e irrestrito apoio moral e material entre o casal.

Inclusive, sobre os pressupostos para caracterização da união estável, a 4ª Turma do STJ, no julgamento do REsp, 155.8015/PR, sob relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, firmou entendimento no seguinte sentido, in verbis:

“Não é qualquer relação amorosa que caracteriza a união estável.
Mesmo que pública e duradoura e celebrada em contrato escrito, com
relações sexuais, com prole, e, até mesmo, com certo
compartilhamento de teto, pode não estar presente o elemento
subjetivo fundamental consistente no desejo de constituir família”
 [4].

Em suma, ainda que a relação esteja livre de qualquer impedimento previsto em lei, seja pública, estável e duradoura, e mesmo que as partes residam juntas, dividam as contas da casa, viajem, frequentem as festas de família um do outro e planejem uma vida futura em conjunto, tais elementos, por si só, não possuem o condão de caracterizar a relação como uma união estável. Para tanto, indispensável que ambos estejam convictos da constituição de família no momento presente, ou seja, que as partes vivam como se casadas fossem, com objetivos comuns a serem alcançados em conjunto.

Refere-se, ainda, que as uniões estáveis devem obedecer aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos, quando houver, nos termos preconizados pelo artigo 1.724 do Código Civil, e em razão de tais deveres decorrem as consequências de ordem econômica, concernentes a eventual partilha de bens em decorrência de sua dissolução, pensionamento alimentício, direito sucessório, entre outros.

Ao passo que, em relação ao namoro, a legislação nada dispõe sobre direitos e deveres, porquanto, como já mencionado, tal relação não produz efeitos jurídicos. Sinala-se, no entanto, o surgimento de uma recente modalidade contratual denominada “contrato de namoro”, sobre a qual ainda paira relevante discussão doutrinária e jurisprudencial acerca de sua validade no mundo jurídico. Ainda assim, defende-se que tal pactuação cinge-se na legítima manifestação livre de vontade, desde que afastada qualquer intenção de fraudar lei imperativa, admitida pelo artigo 462 do Código Civil, apresentando-se como um contrato preliminar. Podem as partes ainda estabelecer no contrato que, no momento que a relação assumir as feições de entidade familiar, novo instrumento será entabulado ou as questões patrimoniais passarão a ser regidas pela separação convencional de bens [5].

Com o advento da pandemia causada pelo coronavírus, muitos casais resolveram morar juntos, a fim de tornar a quarentena menos solitária; no entanto, sem qualquer intenção de constituição de família no momento presente. Para eles, o contrato de namoro pode ser uma excelente alternativa, pois ele visa aclarar que, apesar de o casal viver um relacionamento público, contínuo e até mesmo duradouro, não reconhecem em sua relação a existência de uma família.

Portanto, o pacto entabulado entre as partes poderá servir de prova quanto a ausência da vontade de constituir família, naquele momento, em eventual processo judicial, no qual se pretenda a configuração da união estável, bem como disciplinar questões relacionadas ao rumo da relação e evitar disputas patrimoniais em caso de fim de relacionamento.

Ressalta-se que, em se tratando de pessoas maiores de idade e capazes, o que for disposto no contrato de namoro ou de convivência relativamente às questões patrimoniais deve prevalecer, independentemente da união de esforços, ou não, para a aquisição dos bens.

Nessa senda, crível concluir que a identificação (e comprovação) do requisito de animus familiae, por se tratar de elemento anímico, representa o maior desafio para os operadores do direito quando se busca reconhecer ou contestar a existência de uma união estável, mormente quanto ao marco inicial dessa eventual transmutação em relação ao período de namoro pretérito.

Assim, não obstante a temática “amor e dinheiro” possa gerar certo desconforto entre os casais no momento de harmonia do relacionamento, a busca por maior transparência e segurança quanto às expectativas de cada um acerca da própria relação devem constantemente ser objeto de diálogo entre os envolvidos e, preferencialmente, ser expressamente declaradas por meio de contrato escrito ou escritura pública, a fim de evitar prejuízos — financeiros e emocionais — com o eventual término do relacionamento.


[1] Importa referir, ainda, o advento de um novo instituto trazido pelo ilustre Zeno Veloso, denominado de “namoro qualificado”, já reconhecido pelo Superior Tribunal, em que pese na doutrina haja entendimentos divergentes. Intermediário entre um namoro comum e uma união estável, o namoro qualificado representaria uma relação com maior concretude, ou seja, “coabitam ou frequentam as respectivas casas, comparecem a eventos sociais, viajam juntos”, embora sem o escopo de ser família no presente. Nestes casos, os elementos objetivos podem se assemelhar – e muito – à união estável, mas não se estará diante de uma. VELOSO, Zeno. É namoro ou união estável? Disponível em: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/363682272/e-namoro-ou-uniao-estavel.

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